Diante dos companheiros, André leu expressivo trecho de Isaías e
falou comovido, quanto às necessidades da salvação.
Comentou Mateus os aspectos menos agradáveis do trabalho e
Filipe opinou que é sempre muito difícil atender à própria situação, quando nos
consagramos ao socorro dos outros.
Jesus ouvia os apóstolos em silêncio e, quando as discussões, em
derredor, se enfraqueceram, comentou, muito simples:
— Em zona montanhosa, através de região deserta, caminhavam dois
velhos amigos, ambos enfermos, cada qual a defender-se, quanto possível, contra
os golpes do ar gelado, quando foram surpreendidos por uma criança semimorta,
na estrada, ao sabor da ventania de inverno. Um deles fixou o singular achado e
clamou irritadiço: “Não perderei tempo. À hora exige cuidado para comigo mesmo.
Sigamos à frente”. O outro, porém, mais piedoso, considerou: “Amigo, salvemos o
pequenino. É nosso irmão em humanidade”. “Não posso”, disse o companheiro,
endurecido: “sinto-me cansado e doente. Este desconhecido seria um peso
insuportável. Temos frio e tempestade. Precisamos ganhar a aldeia próxima sem
perda de minutos”. E avançou para diante em largas passadas. O viajor de bom
sentimento, contudo, inclinou-se para o menino estendido, demorou-se alguns
minutos colando-o paternalmente ao próprio peito e, aconchegando-o ainda mais,
marchou adiante, embora menos rápido.
A chuva gelada caiu metódica, pela noite adentro, mas ele,
sobraçando o valioso fardo, depois de muito tempo atingiu a hospedaria do
povoado que buscava. Com enorme surpresa, porém, não encontrou aí o colega que
o precedera. Somente no dia imediato, depois de minuciosa procura, foi o
infeliz viajante encontrado sem vida, num desvão do caminho alagado. Seguindo à
pressa e a sós, com a idéia egoística de preservar-se, não resistiu à onda de
frio que se fizera violenta e tombou encharcado, sem recursos com que pudesse
fazer face ao congelamento, enquanto que o companheiro, recebendo, em troca, o
suave calor da criança que sustentava junto do próprio coração, superou os
obstáculos da noite frígida, guardando-se indene de semelhante desastre.
Descobrira a sublimidade do auxílio mútuo... Ajudando ao menino abandonado,
ajudava a si mesmo avançando com sacrifício para ser útil a outrem, conseguira
triunfar dos percalços da senda, alcançando as bênçãos da salvação recíproca.
A história singela deixara os discípulos surpreendidos e
sensibilizados.
Terna admiração transparecia nos olhos úmidos das mulheres
humildes que acompanhavam a reunião, ao passo que os homens se entreolhavam,
espantados.
Foi então que Jesus, depois de curto silêncio, concluiu
expressivamente:
— As mais eloquentes e exatas testemunhas de um homem, perante o
Pai Supremo, são as suas próprias obras. Aqueles que amparamos constituem nosso
sustentáculo. O coração que socorremos converter-se-á agora ou mais tarde em
recurso a nosso favor. Ninguém duvide. Um homem sozinho é simplesmente um
adorno vivo da solidão, mas aquele que coopera em benefício do próximo é credor
do auxílio comum. Ajudando, seremos ajudados. Dando, receberemos: esta é a Lei
Divina.
( Jesus no Lar – Francisco
Cândido Xavier)